O Papa reiterou hoje o apelo à paz no Sudão do Sul, durante uma missa em Juba, a que assistiram cerca de 70 mil pessoas, encorajando os líderes políticos a deporem as armas do ódio e da vingança. Não seria mau que, em Angola, os políticos que estão no poder há 47 anos, também depusessem as “armas do ódio e da vingança”.
O Papa Francisco disse que “em nome de Jesus, das suas bem-aventuranças, deponhamos as armas do ódio e da vingança”, exortando os líderes políticos a superarem “as antipatias e aversões que, com o tempo se tornaram crónicas e ameaçam opor tribos e etnias” e a “colocar o sal do perdão nas feridas, que arde, mas cura”.
Na missa realizada junto ao mausoléu de Jonh Garang, Francisco pediu para que se renuncie “de uma vez por todas a responder ao mal com o mal”, ainda que “o coração sangre pelas injustiças”.
O Papa Francisco foi recebido com cânticos e manifestações de alegria pelos católicos do país, que representam cerca de 36% da população do Sudão do Sul e que vivem uma grave crise humanitária devido à guerra, fome e desastres naturais.
No último dia desta sua peregrinação por África, Francisco pediu também aos católicos que se mostrem “pessoas capazes de criar laços de amizade, de viver a fraternidade, de construir boas relações humanas, para impedir que a corrupção do mal, a morbidez das divisões, a sujidade dos negócios e a praga da injustiça prevaleçam”.
“Aceitemo-nos uns aos outros e amemo-nos uns aos outros com sinceridade e generosidade, como Deus nos ama”, disse o Papa numa mensagem cujo objectivo é reavivar a esperança no país mais jovem do mundo, e também um dos mais pobres.
Acompanhado pelo arcebispo de Canterbury, Justin Welby, e pelo chefe presbiteriano da Igreja da Escócia, Iain Greenshields, duas confissões com peso no país, o Papa chegou na sexta-feira ao Sudão do Sul, depois de ter visitado a República Democrática do Congo.
Francisco está a desenvolver uma peregrinação ecuménica histórica para chamar a atenção global para a situação do país e encorajar o seu processo de paz.
O objectivo da visita ecuménica é encorajar os líderes políticos do Sudão do Sul a desenvolver um acordo de paz de 2018 que ponha fim a uma guerra civil que eclodiu depois de o país predominantemente cristão ter conquistado a independência do Sudão, de maioria muçulmana, em 2011.
À chegada, na sexta-feira, Francisco emitiu um aviso contundente ao Presidente Salva Kiir e ao seu ex-rival e agora deputado Riek Machar de que a história os julgará severamente se continuarem a atrasar a implementação do acordo de paz.
Kiir, por sua vez, comprometeu o Governo a regressar às negociações de paz – suspensas no ano passado – com grupos que não assinaram o acordo de 2018.
Na sexta-feira, o chefe da Igreja Católica concedeu perdões presidenciais a 71 presos na prisão central de Juba em homenagem à peregrinação ecuménica, incluindo 36 no corredor da morte, depois de Francisco ter sustentado que a pena capital é inadmissível em todas as circunstâncias.
O Sudão do Sul é – embora a outro nível – como a Angola do MPLA: uma espécie de “país”.
Várias dezenas de milhares de pessoas foram mortas desde Dezembro de 2013 e o início da guerra civil que destruiu o mais novo país do mundo e a sua economia. Nunca a população passou tanta fome e privações.
O International Crisis Group (ICG) apelou em 2016 aos Estados que garantiam o acordo de paz a agir “com toda a urgência” para o salvar e assim “impedir o país de voltar a cair num conflito em larga escala”. No Sudão do Sul ou se morre na guerra ou pela fome. Mas há petróleo. Pois. Esse é o problema.
Confrontos violentos eclodem regularmente na capital, Juba, entre ex-rebeldes da facção de Riek Machar e soldados leais ao Presidente, Salva Kiir, confirmando a fragilidade do acordo de paz assinado a 26 de Agosto de 2015. A troca de tiros de armas automáticas e de artilharia pesada fazem parte do dia-a-dia do Sudão do Sul.
“As condições de vida nunca foram assim tão más no Sudão do Sul”, resumia há sete anos David Deng, advogado especialista em direitos humanos, enumerando uma inflação galopante, combates diários, a fome e o grau de desconfiança entre as partes em conflito.
“Se não se resolver rapidamente a situação, receio que venhamos a ser confrontados com um conflito tão duro como os 22 anos de guerra dos quais o país saiu recentemente”, alertou, referindo-se à guerra da independência contra o Sudão.
“O próprio facto de o Governo não ter dinheiro para celebrar o aniversário [da independência] demonstrou a magnitude das dificuldades económicas”, sublinhou na mesma altura James Alic Garang, economista do “think-tank” Ebony Center com sede em Juba.
Depois de uma guerra civil que durou entre 1983 e 2005, o actual Sudão do Sul conquistou a sua independência de Cartum a 9 de Julho de 2011, na sequência de um referendo. De forma rápida, em Dezembro de 2013, o país mergulhou numa nova guerra civil.
O conflito surgiu no seio do exército nacional, minado por clivagens político-étnicas alimentadas pelo Presidente, Salva Kiir, e pelo seu vice-presidente, Riek Machar.
Riek Machar regressou a Juba no quadro do acordo de paz assinado em Agosto de 2015 e formou com Salva Kiir um Governo de salvação nacional. Mas, no terreno, as hostilidades continuaram.
Babikr Yawa, 31 anos e mãe de três crianças, fugiu dos combates na província de Kajo, perto da fronteira com o Uganda. “Nós sofremos aqui, não há comida, nem um verdadeiro abrigo. O que queremos é que o Presidente, Salva Kiir, e Riek Machar ponham fim à guerra”, disse à AFP.
Na cidade de Wau – que se tornou na segunda do país depois de Malakal, Bor e Bentiu terem sido parcialmente destruídas durante a guerra – os combates forçaram cerca de 88 mil habitantes a fugir de suas casas, dos quais 20 mil procuraram refúgio nas imediações da base das Nações Unidas.
O acordo de paz foi simplesmente ignorado e as antigas partes do conflito (…) prepararam-se cada vez mais para um conflito em larga escala.
O então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou “o orgulho, o estado de espírito de esperança” que animavam o país quando se tornou independente.
Mas durante a sua última visita ao país, BanKi-moon apenas constatou “uma esperança traída por aqueles que colocaram o poder e o lucro à frente [dos interesses] do seu povo”, denunciando “as violações massivas dos direitos humanos e a corrupção monumental”.
Fome, fome e… fome
No Sudão de Sul, mais de quatro milhões de pessoas estão a morrer de fome. A inflação gira hoje em torno de 700%, um número realmente alarmante. Os activistas cristãos estão a orar a todos os deuses pelo país e pelo povo. A ONU declarou que a região está em risco de guerra civil e genocídio.
A líder cristã Liz Hughes bem convocou os cristãos para voltarem sua atenção para o povo do Sudão do Sul. Ela trabalha para a Igreja Presbiteriana, no conselho de missão global da Irlanda.
Liz falou depois que os trabalhadores humanitários no Sudão do Sul relatam tensões económicas crescentes e conflitos entre os grupos étnicos Dinka e Nuer. A ONU advertiu que a região está “em risco de guerra étnica absoluta e de genocídio”.
Liz diz afirmou há sete anos: “Estima-se que 4,3 milhões de pessoas precisam agora de ajuda alimentar já que as colheitas foram prejudicadas e por isso serão adiadas por mais um ano. Além disso, a crise económica no país continua, com a inflação agora em 700%”.
“Quero mais uma vez encorajar as pessoas a orarem pela paz no Sudão do Sul e a lembrarem-se das pessoas que vivem lá, especialmente aqueles que precisam de ajuda humanitária e ajuda alimentar”, diz Liz Hughes. A igreja irlandesa tem laços estreitos com cristãos na região através da Igreja Presbiteriana do Sudão do Sul.
“É importante que também apoiemos o trabalho da Igreja Presbiteriana do Sudão do Sul, através de nossas orações, enquanto eles continuam a encorajar a paz e boas relações entre as comunidades e para o papel-chave nas negociações de paz que estão a realizar-se pelo Sudão do Sul”, afirmou Liz Hughes.